.

Mountain
1995. Fibra compensada e tinta, 317,5x249x404,5 cm. Coleção particular. Foto: John Riddy



Por Pier Luigi Tazzi

Meu primeiro contato com o trabalho de Anish Kapoor ocorreu num dia de calor escaldante, na estufa de um parque holandês. Sua escultura era recoberta com pigmento vermelho, um vermelho brilhante irradiado do bloco sólido que a constituía e tornava indistintos os seus contornos, incorporando-a assim à atmosfera pesada da estufa. Meus olhos fascinados eram atraídos pelo trabalho, ao invés de ofuscarem-se com seu brilho. Embora a cor fosse aplicada de maneira uniforme, a relação entre os sólidos criava profundidades sombreadas naquelas cavidades onde o olhar podia descansar ou perambular. Tratava-se do ápice do prazer: aquele lugar era o lugar.

Os trabalhos de Kapoor são portas ou sinalizações de entrada para outros lugares, jamais símbolos ou metáforas. Por esse motivo, eles se distanciam da arte tradicional - tanto da ocidental como da oriental -, que sempre se utiliza de símbolos, assim como da arte moderna, que tende a expressar-se por metáforas, da melhor maneira possível. Por esse reconhecimento de pertencer não apenas a uma cultura e a uma espécie, mas também a um mundo e a uma natureza, paradoxalmente, o artista admite seu isolamento. Cada vez que visitei o estúdio de Kapoor, deparei-me com uma paisagem urbana com edifícios e canteiros de obras, cada edifício num estágio diferente de acabamento e de diferente altura, cercados de grandes despojos e refugos desconexos de construções anteriores. Trata-se, entretanto, de uma paisagem sem nenhuma regularidade racional de cidade ou mansão, porém com a irregularidade de um lugar sagrado ou paisagem da alma, onde a necessidade de localizar um edifício não depende de projeto intelectual, mas da manifestação imperativa e irresistível de um deus ou um desejo. As portas abrem-se para algo que se situa além daquilo que elas designam; abrem-se para o infinitamente possível que ainda não existe, e que portanto ainda se denomina 'nada'. No entanto, desse 'nada' emerge o ser em sua totalidade, um ser que é uma totalidade completamente abrangente.

Não obstante, a arte pertence a esse mundo e deve ser tratada como tal. Por sua vez, Kapoor procura seus modelos na área delicada e ilusória da sensualidade e da sexualidade (quantas vezes a troca incestuosa de prazer tem derrotado a dissimulação universal da identidade na sombra macia da sensualidade!). A sensualidade e a sexualidade são momentos únicos nos quais grandes eventos são revelados sem passar pelo crivo do pensamento racional e impositivo de ordenação, criador dos signos e déspota da linguagem. Por outro lado, com o conhecimento da experiência, ele revela a confluência de duas culturas: a cultura da arte moderna e a cultura de sua origem oriental. Kapoor ocupa o domínio da arte moderna, cujas fronteiras aparentemente abertas são vetadas àqueles que por qualquer razão a ela não pertencem. É a perpendicularidade que domina e tipifica a arte moderna. É sua retidão moral e física, assim como resultado da tradição fálica da totalidade da cultura ocidental. Kapoor contrapõe essa condição com as formas orgânicas e fluidas que são típicas da arte oriental, cujo tema inclui o vaginal. Idealmente, as formas esculturais criadas por Kapoor deveriam ser dispostas abaixo do nível da terra, numa caverna ou no fundo do mar. Seu silêncio enfatiza o isolamento do artista. Este não se posiciona ao lado dos fortes e dominantes, onde toda diversidade é rebaixada à decoração, nem tampouco advoga a marginalização prepotente de todos aqueles que se vêem postos de lado, o terrorismo ideológico da alteridade, a introjeção da extinção iminente e inevitável. Por isso, Kapoor é uma figura solitária que se move circunspecta e cautelosamente; impõe sua condição mutante ao não adotar uma atitude de lassidão servil nem a postura arrogante do perdedor. Sua trajetória não descreve uma linha reta, mas um arco, tal como o perfil de um arco pronto para disparar uma flecha invisível em direção a um alvo utópico. É, então, que sob as superfícies aveludadas do pigmento ou entre as áreas de sombras coloridas, além da fissura de suas bem delineadas bordas se abrindo tal como um ferimento - densidades enganosas, como armadilhas escavadas na alma -, que percebemos a dureza rigorosa do que há no seu interior.

O ferimento aberto pelo abismo do nada não serve para exorcizar o vazio, para enfeitiçá-lo com todos os dispositivos da arte: é por entre os lábios entreabertos do ferimento que o vazio se torna visível, atraente e sedutor em sua impiedade, prometendo paz e oferecendo o incomparável dom do prazer.

O artista é quem constrói a porta, uma porta estruturada na natureza de uma moldura, uma área preparada que separa o mundo e o ser. O artista erige, na superfície do mundo, ousadas formas de arte - eréteis e vibráteis em seus tons de cor pura ou na rocha porosa -, a masculinidade do fazer artístico, uma glorificação do símbolo de reprodução, pleno de esperança, para assegurar a qualquer custo a continuidade do criador: descobrindo, com a precisão e a eficácia de uma fórmula mágica, a abertura do ser - a passividade do êxtase artístico, a contemplação de algo que deverá preencher, mas jamais saciar, todos os seus desejos.




























































Cronologia
Nasceu em Bombaim, Índia, em 1954. De 1973 a 1977 estudou na Hornsey College of Art, Londres, Inglaterra. Em 1977/78 estudou na Chelsea School of Art, Londres. Lecionou em 1979 na Wolverhampton Polytechnic. Em 1982 foi artista-residente na Walker Art Gallery, Liverpool. Em 1994 foi nomeado doutor honorário da Universidade de Leeds, Grã-Bretanha. Reside e trabalha em Londres desde 1982.

Exposições individuais

1996
Anish Kapoor Sculptures, Aboa Vetus & Ars Nova, Turku, Finlândia; Anish Kapoor, Two Sculptures, Kettle's Yard, Cambridge, Inglaterra; Galleria Massimo Minini, Brescia, Itália; Gourd Project 1983-95, Freddie Fong Contemporary Art, San Francisco, Estados Unidos.
1995/96
Prada Milanoarte, Milão, Itália; Lisson Gallery, Londres, Inglaterra.
1995
nish Kapoor, DePont Foundation, Tillburg Nishimura Gallery, Tóquio, Japão.
1994
Mala Galerija, Moderna Galerija Ljubljana, Museum of Modern Art, Liubliana, Eslovênia; Echo, Kohji Ogura Gallery, em cooperação com Lisson Gallery Nagoya, Japão.
1993
Lisson Gallery, Londres, Inglaterra; Tel Aviv Museum of Art, Tel Aviv, Israel; Barbara Gladstone Gallery, Nova York, Estados Unidos.
1992/93
Exposição itinerante em quatro lugares: San Diego Museum of Contemporary Art, La Jolla, Estados Unidos; Des Moines Art Center, Des Moines, Estados Unidos; The National Gallery of Canada, Ottawa, Canadá; The Power Plat, Toronto, Canadá.
1992
Galeria Soledad, Lorenzo, Madri, Espanha; Stuart Regen Gallery, Los Angeles, Estados Unidos
1991
Palacio de Velazquez, Centro de Arte Reina Sofia, Madri, Espanha; Kunstverein Hannover, Alemanha; The Sixth Japan Ushimado International Art Festival, Ushimado, Japão; Anish Kapoor & Ban Chiang, Feuerle Gallery, Kölní.
1990/91
Anish Kapoor Drawings, Tate Gallery, Londres, Inglaterra; Le Magasin, Centre National d'Art Contemporain, Grenoble, França, organizada em cooperação com The Bristsh Council
1990
XLIV Biennale di Venezia, British Pavillion, Veneza, Itália; Drawings, Barbara Gladstone Gallery, Nova York, Estados Unidos.
1989/90
Void Field, Lisson Gallery, Londres, Inglaterra.
1989
Barbara Gladstone Gallery, Nova York, Estados Unidos; Kohji Ogura Gallery, Nagoya, Japão.
1988
Lisson Gallery, Londres, Inglaterra.
1987
Anish Kapoor: Works on Paper 1975-1987, Ray Hughes Gallery, Sidney, Austrália, exposição levada para o MOMA, Brisbane, Austrália.
1986
Kunstnernes Hus, Oslo, Noruega; Barbara Gladstone Gallery, Nova York, Estados Unidos; Anish Kapoor: Recent Sculpture and Drawings, University Gallery, Fine Arts Center, University of Massachusetts, Amherst, Estados Unidos.
1985
Lisson Gallery, Londres, Inglaterra; Kunsthalle, Basiléia, Suíça exposição levada para o Stedelijk van Abbemuseum, Eindhoven, Holanda.
1984
Barbara Gladstone Gallery, Nova York, Estados Unidos.
1983
Galerie 't Venster, Roterdã, Holanda; Walker Art Gallery, Liverpool, Inglaterra, exposição levada para Le Nouveau Musée Villeurbanne, Lyon, França; Lisson Gallery, Londres, Inglaterra.
1982
Lisson Gallery, Londres, Inglaterra; Walker Art Gallery, Liverpool, Inglaterra.
1981
Coracle Press, Londres, Inglaterra.
1980
Patrice Alexandre, Paris, França.


Exposições coletivas



1996
Un Siècle de Sculpture Anglaise, Jeu de Paume, Paris, França; Collections du Castello di Rivoli, Le Nouveau Musée, Villeurbanne, França.
1995/96
Fémininmasculin. Le sexe de l'art, Centre Georges Pompidou, Paris, França.
1995
Ars 95 Helsinki, Museum of Contemporary Art, Helsinque, Finlândia; Contemporary British Art in Print, Scottish National Gallery of Modern Art, Edimburgo, Escócia; Contemporary British Art in Print, Yale Center for British Art, New Haven, Estados Unidos; British Art of the 1980s & 1980s - Works from the WeltKunst Collection, The Irish Museum of Modern Art, Dublin, Irlanda; Longing and Belonging: From the Faraway Nearby, SITE, Santa Fe, Estados Unidos; A Changing World - Fifty Years of Sculpture from the British Council Collection, Castle Riding Hall, Praga, República Tcheca.
1994
Sculptors' Drawings, Tate Gallery, Londres, Inglaterra; Re Rebaudengo Sandretto Collection, S. Antonio di Susa, Turim, Itália
1993
Another World, Art Tower Mito, Mito-shi Ibaraki, Japão; Punti dell'Arti,Italian Pavillion XLV Biennale di Venezia, Veneza, Itália; Trésors de Voyage, Monasterio dei Padri Mechitaristi dell'Isola di San Lazzaro Degli Armeni, Veneza, Itália, Cerco, Bienal Internacional de Óbidos, Portugal.
1992/93
De Opening, De Pont Foundation for Contemporary Art, Tilburg, Holanda.
1992
Documenta IX, Kassel, Alemanha; The New British Sculpture, trabalhos selecionados da Patsy R. and Raymond D. Nasher Collection, University of North Texas Art Gallery, Estados Unidos; Whitechapel Open, Whitechapel Art Gallery, Londres, Inglaterra; Anish Kapoor invites Gary Woodley, Foro per l'Arte Contemporanea, Verona, Itália.
1991/92
Rhizome, Haags Gemeentemuseum, Haia, Holanda; Anish Kapoor and Abstract Art in Asia, Fukuoka Art Museum, Fukuoka, Japão.
1991
Trans/Mission, Rooseum, Malmo, Suécia; The 1981 Turner Prize 1981: An Exhibition of Work by the Four Shortlisted Artists, Tate Gallery, Londres, Inglaterra; Il Limite delle Cose nella Nuova Scultura Inglese, Studio Oggetto, Milão, Itália.
1990/91
British Art Now: A Subjective View, exposição itinerante em seis locais: Setagaya Museum, Tóquio, Japão; Fukuoka Art Museum, Fukuoka, Japão; Nagoya City Museum, Nagoya, Japão; Tochigi Prefectural Museum of Fine Arts, Tochigi, Japão; Hyogo Prefectural Museum, Hyogo, Japão; Hiroshima City Museum, Japão.
1990
Affinities and Intuitions. The Gerald S. Elliott Collection of Contemporary Art, The Art Institute of Chicago, Estados Unidos; Dujourie, Fortuyn, Houshiary, Kapoor, Rijksmuseum Kröller-Müller, Otterlo, Holanda.
1988/89
Carnegie International, Carnegie Museum of Art, Pittsburg, Estados Unidos.
1988
Europa oggi/Europe now, Museo d'Arte Contemporanea, Prato, Itália; La Couleur Seule, l'Experience du Monochrome, Musée St. Pierre, Lyon, França; Britannica. 30 Ans de Sculpture, Musée des Beaux-Arts André Malraux, Le Havre, França; Ecole d'Architecture de Normandie, Rouen, França; Musée d'Evreux, Evreux, França; Starlit Waters. British Sculpture: An International Art 1968-88, Tate Gallery, Liverpool, Inglaterra
1987/88
Simila - Dissimila, exposição itinerante em quatro locais: Kunsthalle, Düsseldorf; Alemanha; Columbia University,Estados Unidos; Sonnabend Gallery, Estados Unidos; Leo Castelli Gallery, Nova York, Estados Unidos.
1987
Juxtapositions: Recent Sculpture from England and Germany, The Institute for Art and Urban Resources, Nova York, Estados Unidos; British Art of the 1980s: 1987, Liljevalchs Konstall, Estocolmo, exposição levada para o Sara Hilden Art Museum, Tampere, Finlândia.
1986
Sonsbeek 1986. International Sculpture Exhibition, Arnhem, Holanda; Propect '86. Eine Internationale Austellung Aktueller Kunst, Frankfurter Kunstverein, Frankfurt, Alemanha; Vessel, Serpentine Gallery, Londres, Inglaterra.
1985/86
The Poetic Object: Richard Deacon, Shirazeh Houshiary, Anish Kapoor, Douglas Hyde Gallery, Dublin, Irlanda, exposição levada para Arts Council Gallery, Belfast, Irlanda; Skulptur - 9 Kunstnere fra Storbrittanien, Louisiana Museum of Modern Art, Humlebaek, Dinamarca.
1985
Sculptors' Drawings, exposição itinerante em sete locais: Artspace Gallerie, Aberdeen, Escócia; Artspace Gallerie, Ayr, Escócia; Artspace Gallerie, Lyth, Escócia; Artspace Gallerie, Stirling, Escócia; Artspace Gallerie, Stromness, Escócia; Artspace Gallerie, Glasgow, Escócia; Dracos Arts Centre, Atenas, Grécia; The British Show, exposição itinerante em cinco locais: Art Gallery of Western Australia, Perth; Art Gallery of New South Wales, Sidney, Austrália; Queensland Art Gallery Brisbane, Austrália; The Exhibition Hall, Melbourne, Austrália; National Art Gallery, Wellington, Nova Zelândia; 20 Sculptures du FRAC Rhone-Alpes, l'Abbaye de Tournus, França.
1984
An International Survey of Recent Painting and Sculpture, Museum of Modern Art, Nova York, Estados Unidos; ROSC '84, Dublin, Irlanda; The British Art Show: Old Allegiances and New Directions, 1979-1984, exposição itinerante em quatro locais: City of Birmingham Museum and Art Gallery, Birmingham, Inglaterra; Ikon Gallery, Birmingham, Inglaterra; Royal Scottisch Academy, Edimburgo, Escócia; Mappin Art Gallery, Sheffield, Inglaterra; Southampton Art Gallery, Southampton, Inglaterra.
1983
La Trottola di Sirio, Centro d'Arte Comtemporanea, Siracusa, Itália; Figures and Objects, John Hansard Gallery, Southampton, Inglaterra; The Sculpture Show, Hayward Gallery/Serpentine Gallery, Londres, Inglaterra; New Art, Tate Gallery, Londres, Inglaterra; Transformations: New Sculpture from Britain, exposição itinerante em quatro locais: XXII Bienal de São Paulo, Brasil; Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil; Museo de Arte Moderna, Cidade do México; Fundação Calouste Gulbenkien, Lisboa, Portugal.
1982
Aperto 82, XL Biennale di Venezia, Veneza, Itália; Objects and Figures. New Sculpture in Britain, Fruitmarket Gallery, Edimburgo, Escócia.
1981
Objects & Sculpture: Ricard Deacon, Antony Gormley, Anish Kapoor, Peter Randall-Page, Institute of Contemporary Art, Londres, Inglaterra; exposição levada para Arnolfini Gallery, Inglaterra.
1979
Whitechapel Open, Whitechapel Art Gallery, Londres, Inglaterra.
1975
Young Contemporaries, Royal Academy of Art, Londres, Inglaterra.
1974
Art into Landscape 1, Serpentine Gallery, Londres, Inglaterra.


Prêmios


1991
Prêmio Turner.
1990
Biennale di Venezia, Premio Duemila.