Os meios multimídia não poderão jamais colocar em discussão a Arte, uma vez que, como modelo, ela já é visível e reconstituível na história da arte.

Basta que nos lembremos dos manifestos das vanguardas históricas, dos grandes artistas do início do século, de Wagner, o grande pai da vanguarda, da arte do passado, da perspectiva do Renascimento, do Palazzo Spada, das colunas de Borromini, que já propunham um espaço virtual devido a seu reduzido comprimento real quando contraposto àquele que representam.

A virtualidade, portanto, já tinha sido elaborada conceitualmente sem o apoio, a prótese, da tecnologia e já se fazia presente na iconografia da arte ocidental.

Mesmo na caverna de Lascaux podemos encontrar um tipo de linguagem figurativa e uma impressão que pode lembrar o computador.

Se for verdade que a escola é responsável pela formação e a televisão pela informação, a arte não forma nem informa: ela vive em sua autonomia, complexidade, formação lingüística, e não tem nenhum objetivo; a arte não comunica nada, já que para se comunicar ela necessita de seu terminal, o público.

Muitas vezes o público é desvalorizado como terminal, e é sempre visto como um fator sem importância que não possui relevância estrutural na produção artística. E isso é um erro. Ele é visto somente como valor simbólico que dá status à realidade da obra, à imagem criada pelo artista.O público de um museu, teatro ou cinema não é apenas um terminal ao qual é preciso, necessariamente, comunicar a mensagem, mas representa, na realidade, um elemento estrutural de um sistema, daquilo que denomino `sistema da arte´. Ele, na sociedade contemporânea, desenvolve-se por meio da divisão do trabalho. Integra o artista com sua ruptura lingüística frente ao tecido codificado pela história da arte e pela história das linguagens; é o crítico quem muitas vezes dá visibilidade a essa ruptura por meio de uma leitura crítica ou de sua capacidade de difusão, além do negociante que vende a obra, do marchand que a expõe, do museu que lhe dá uma moldura histórica, do colecionador que a leva para casa - trocando-a por dinheiro, apropriando-se do objeto e conservando-o para uma fruição solipsista, pessoal, solitária e particular -, dos especialistas em cultura de massas que celebram a arte e do público que a consome e a contempla.

Creio que nenhum crítico jamais tenha levantado a questão do público, uma vez que foi estabelecido que a obra não pode submeter-se às hipotéticas transformações da televisão pública ou comercial; a obra de arte não pode ser contagiada pelos acontecimentos políticos: ela conserva o fruto da elaboração lingüística da qual, de modo artesanal, o artista é o demiurgo e elaborador. Ao final, o produto é entregue ao público sem que haja nenhum processo de controle da criatividade.

Algumas vezes o artista é um erro biológico com relação à obra de arte no sentido de que ela possui uma complexidade e uma memória futura não reconhecidas pelo próprio artista: quantos artistas se suicidaram, desesperados, devido a uma nostalgia pela perfeição?

Van Gogh realizou a primeira obra da body-art quando, em desespero, cortou sua própria orelha e a deu a Gauguin, entregando-se assim a um outro artista em reconhecimento a sua grandeza, talvez não reconhecida pela história da arte.

O artista, portanto, esquece a maioria dos procedimentos técnicos que utiliza.

Eis que já subtraímos da arte - a operação criativa - a ditadura do discurso sobre telemática, tecnologia, eletrônica, cibernética etc.

A arte gera um processo complexo, cria um produto específico que, de certa forma, é estrábico, ambíguo, ambivalente: ela ultrapassa o presente e domina o futuro.

O artista não possui uma consciência total daquilo que realizou; a complexidade diversifica o produto artístico frente ao televisivo, onde os dados lineares respondem por uma prestação de serviços e tendem a criar uma espécie de praça telemática fundada na soma das solidões de seus consumidores.

Se acreditamos que a dona-de-casa pode permanecer em sua residência e, por meio da televisão, fazer - via cabo - suas compras; se pensarmos que até os telespectadores católicos nos Estados Unidos já possuem aparelhos através dos quais, ao introduzir moedas, podem se confessar (os aparelhos até mesmo devolvem um papel com a penitência que lhes cabe em função dos pecados confessados), isto estabelece uma relação autística com a telemática, uma reestruturação do corpo do consumidor. A telemática tende, substancialmente, a afinar não somente o corpo do objeto artístico mas também o do consumidor, uma vez que a função da informação torna-se absolutamente asséptica, neutra e a mais objetiva possível.

A arte pode ter uma função reparadora, pois pode conservar no homem-ouvinte sua estrutura psicossomática, e deve, portanto, enfrentar seu público.

A identidade artística é desenvolvida pelo artista, enquanto a cultural, o sistema da arte, a mais-valia, o valor agregado é adquirido pela obra por meio da solidariedade profissional de outros sujeitos autônomos, protagonistas da própria criação.

O público não é aquele generalizado, monocultural, especializado, que freqüenta as galerias particulares, as bibliotecas, os locais de formação como os chamados pontos de encontro de antigamente, que tinham lugar nos salões culturais.

É necessário enfrentar dois tipos de público: o indireto e o instantâneo.

O público indireto é o não-especializado, intergeneralizado, intercultural, transnacional.

A transnacionalidade pode ser vista por todos: hoje em Berlim vivem 300 mil turcos; é claro que o conceito de nacionalidade não pode mais ser vinculado a um parâmetro de permanência, articulado e submetido a uma contaminação lingüística, cultural e antropológica positiva.

Uma vez que em casa pode-se mudar o canal e decapitar o protagonista de qualquer programa televisivo, essa volubilidade, essa falsa hiper subjetividade que a telemática incentiva no espectador, faz surgir automaticamente uma necessidade de presença que muitas vezes se situa no limite da presença do público-alvo, a quem deve ser concedida estruturalmente a possibilidade de mover-se através das várias opções diversificadas.

Giovanni Macchia usou uma denominação belíssima ao se referir a Leopardi: "Il viaggiatore immobile" (o viajante imóvel) - ele o utilizava em um sentido positivo; em termos negativos, poderia estigmatizar adequadamente a definição do espectador telemático.

A volubilidade a que me referi acima, a mobilidade ótico-perceptiva do espectador, incentivada pela televisão, desenvolveu cada vez mais o conceito de desatenção que Walter Benjamin nos ensinou há mais de 50 anos com seu livro A obra de arte na época das técnicas de reprodução. Mas caso realmente ocorra um deslocamento do sujeito em direção a uma percepção cada vez mais voltada para a desatenção em todos os espaços, incluindo os urbanos, abre-se a possibilidade de uma união e de se trabalhar na oscilação entre atenção e desatenção.

O público instantâneo é aquele que pode ser capturado através de um evento multimídia, uma estratégia expositiva; o público, hoje, move-se através de uma atenção em relação a macroeventos expositivos, performances, e pode até ser encontrado em microeventos existenciais que se desenvolvem em seu interior.

Quem vê televisão se levanta, atende o telefone, se distrai, mesmo quando o público, teoricamente, estruturalmente, parece ter uma relação não narrativa com ela (mesmo quando a televisão apresenta dramas, telejornais, histórias, filmes comerciais com trama e com começo e fim); apesar disso o público entra e sai, isto é, mantém uma mobilidade com relação às estruturas rígidas e impressionantes da televisão.

A televisão, portanto, é assistida em uma oscilação entre atenção e desatenção. Então por que não estruturar uma espécie de espaço onde o espectador tenha de se defrontar com sua própria responsabilidade, sua participação no macroevento e com a dissipação de uma relação - um contato - construtiva, positiva, erótica?

Esse espaço está repleto de pessoas de todas as gerações, entre as quais encontra-se graduados e não-graduados, desocupados, diplomados; é um público extremamente variado.

Eis o público instantâneo, aquele que, por exemplo, também se forma em torno de um acidente de automóvel, quando todos param na rua e depois de algum tempo desaparecem, evaporam-se. Assim como ocorre com o evento que causa o agrupamento, também não sabemos nada sobre esse público, não conhecemos sua identidade, pois se trata de um público que participa sem nenhum treinamento anterior.

Devemos prestar contas a um público que não foi, nem deve ser, treinado.

Nesse momento, o problema da comunicação é fundamental. Isso, porém, não significa que deva ocorrer a qualquer custo, mesmo em se tratando de multimídia.

A comunicação ocorre nesse momento, assim como a interatividade, negativa ou positiva, que a arte sempre desenvolveu.

Tomemos como exemplo o quadro de Holbein Os Dois Embaixadores, pintado segundo uma estrutura geométrica perfeita, uma perspectiva centralizada; vê-se também uma figura que flutua no ar que, para ser entendida, leva o espectador a ficar em posição lateral frente ao quadro para identificar o crânio que flutua: é a morte que voa nesse espaço de grande decoro, no qual os dois embaixadores estão vestidos de modo adequado para uma reunião de diplomatas. A interatividade, portanto, já existia no seguinte sentido: se quisermos ajudar o pintor a decifrar sua obra, é preciso que nos desloquemos em direção a um determinado ponto, para uma posição lateral.

A arte não está ameaçada pela televisão, a elaboração de uma linguagem; o resto são apenas técnicas. A tecnologia é uma prótese que pode desenvolver um tipo específico de sensibilidade, embora cada produto seja fruto de uma elaboração e cada elaboração implique a aplicação de técnicas instrumentais que desenvolvem um tipo de incidência que é, e pode ser, estrutural. Enquanto a arte, finalmente, produz uma imagem, um signo ou uma realidade lingüística que, como na referida figura, o crânio, de Holbein, que viaja no espaço e no tempo.

Antes a arte exprimia um desejo de passar para a história; com o advento da telemática, porém, o desejo se restringiu a passar apenas para a geografia. Hoje não vivemos mais em um sistema democrático, mas em um sistema telecrático, onde a arte encontra sua razão de ser no papel de ética de resistência em defesa da complexidade contra a simplificação da mídia de massas. Trata-se da duração do tempo contra o consumo do instante.

A Arte do Congelamento
Não existe uma consciência intelectual da arte, mas sim a da obra de arte que é capaz de formular uma visão de mundo que vai muito além de seu artífice.

Um exemplo disso é Balzac, um escritor conservador cujos romances representam, como um afresco, a sociedade do seu tempo de maneira crítica e aguda.

No âmbito da arte figurativa coube ao maneirismo fundar uma consciência intelectual específica que reflete sobre sua própria natureza metalingüística e sobre a relação do artista com o mundo exterior. Para desenvolver melhor tal posição reflexiva - uma leitura livre do mundo, sem nenhuma censura por parte do poder - o artista maneirista assume aquela posição de lateralidade de onde pode observar a dinâmica da história, elaborando dispositivos lingüísticos por meio dos quais pode representar sua discordância. A ação metafórica da arte, apoiada na representação, é, por sua própria natureza, indireta e diferente da ação prática, que exige afrontamento e decisão. Por meio dessa lateralidade, o artista escolhe a posição típica do traidor: a de quem olha o mundo e não o aceita, quer mudá-lo, mas não age, optando por produzir uma reserva iconográfica, um depósito de imagens expressivas e protetoras de uma consciência intelectual crítica e auto-reflexiva.

O rigor estóico de tal posição se encontra exatamente na consciência do artista em operar no campo da metáfora e da alegoria, o que não significa uma posição agnóstica nem neutra sobre o mundo.

No século XX as vanguardas históricas, com seus manifestos explícitos e declarações poéticas coletivas capazes de agregar alas de artistas, pareciam querer rebater a estratégia da lateralidade por meio de uma declaração frontal de guerra à sociedade. Porém, é a consciência metalingüística da arte, cuja linguagem é a própria realidade, que mantém esses movimentos até o surgimento da Neovanguarda e da Transavanguardia, obrigando os artistas a aceitar a inevitabilidade de um poder da imagem circunscrito à representação crítica e não à ação subversiva.

Até a década de 80 a arte conseguia falar por si mesma ao acentuar sua diferença em relação à sociedade do espetáculo, manifestando, portanto, um nível de análise explícito e evidente.

A abordagem estética do cotidiano produzida pelo desenvolvimento da telemática - que transforma todas as democracias em telecracias - parece ter tornado problemática a conservação de uma atitude crítica. A forma artística é bombardeada por uma produção industrial de imagens capazes de realizar, superficialmente, a síntese das artes, promessa programática das vanguardas históricas como forma de resgatar uma totalidade formal frente à parcialidade do cotidiano.

Mas como pode a arte atual conservar a consciência intelectual, representando-a, se a experimentação puramente tecnológica foi assumida e direcionada exclusivamente para fins de espetáculo pelo sistema industrial? Antes a experimentação de novas técnicas e materiais representava o próprio sintoma de tal consciência. Os artistas operavam em um laboratório de imagens artesanal que devia representar a diferença em relação à produção cotidiana, a resistência da qualidade frente à invasão da quantidade. Tal instância foi salvaguardada mesmo no pós-guerra, até o final da década de 80. Agora parece que o espaço projetual que existe se tornou ainda mais restrito e às vezes permanece apenas na intenção subjetiva de uma obra entregue ao Progetto dolce do processo criativo. O resultado é a construção de uma ordem formal, uma resistência moral visível proposta para enfrentar uma exterioridade caótica e fragmentada.

Mesmo se a obra de arte adotar taticamente o caráter do ecletismo estilístico - contaminação, desestruturação, colagem e reconversão de fragmentos lingüísticos de diversas origens -, ela, no entanto, sempre aceita, ao final, uma sistematização formal que responde a um outro propósito.

Tal propósito nasce da necessidade do artista de exprimir explicitamente a resistência por meio da forma.

A arte documenta uma forte atitude intelectual que não influi na temperatura da obra e não a reduz a uma pura declaração didática ou uma afirmação poética platônica. É o próprio resultado formal alcançado que permite exprimir de modo envolvente, em suas qualidades intrínsecas, o alcance do processo criativo, a passagem da intenção do artista ao propósito da obra, testemunha evidente do valor da resistência.

Tal valor é ampliado principalmente por um apoio conceitual forte e saturado, como se fosse um esqueleto capaz de suportar o peso da carne.

A arte da década de 90, em seus melhores exemplos, é o resultado de uma consciência intelectual, lúcida e fria do mundo. Ela conseguiu evitar a armadilha de uma produção formal estranha com relação à visibilidade cotidiana. Ao contrário, adota uma inversão metodológica que assume ainda mais a lateralidade, uma espécie de atitude que aparenta estar ao lado do cotidiano, mimetizando-o e preservando-o. Tal tática implica a estratégia de uma traição conveniente, a qual equivale ao passo lateral dado pelo toureiro que, desse modo, pode golpear melhor o touro.

Consciência intelectual significa, portanto, estar consciente do inimigo, ter uma visão lúcida da complexidade do sistema social, de sua homologação internacional em um circuito que dinamiza mais o olho do que a consciência.

Isto implica com certeza o deslocamento do artista do pathos da distância para a posição de uma traição mais cínica, motivada pela aceitação de uma `terribilização´ histórica sem saída, onde o objeto artístico parece ter sido condenado a uma peripécia restrita a um perímetro de pura degustação.

No entanto, o artista continua a produzir suas formas, seus objetos. Evidentemente crê estar acumulando traços de uma resistência subjetiva.

No final do século XX e do segundo milênio, esta segunda metade da década de 90, observamos a laceração da tensão estrábica de um duplo movimento: globalização e tribalização.

De um lado o desenvolvimento tecnológico, a telemática, tende a unificar todos os tipos de produção industrial e artesanal, econômica e culturalmente. Uma acentuada interdependência condiciona o desenvolvimento dessa sociedade, colocando-a sob o signo da homologação.

Uma tendência horizontal orienta as dinâmicas produtivas e afina as tentativas de diferenciação do produto e, conseqüentemente, de seu respectivo produtor.

A globalização ameaça o caráter de identidade, elimina a tentativa de personalizar a existência. Ocorre então a resposta, muitas vezes reacionária e regressiva, da tribalização, a retomada dos nacionalismos, integralismos e dos valores de permanência.

O homem responde ao macro evento do desenvolvimento tecnológico com o micro evento de sua própria existência, preso à resistência geográfica e à negação dos micro eventos ameaçadores representados pelos indivíduos próximos, limítrofes. Nessa diversificação se situa a estratégia de muitos artistas contemporâneos que reafirmam o direito a seu próprio universo imaginário, subtraído da lógica do duplo extremo: globalização ou tribalização.

Eles adotam a tática do nomadismo cultural para evitar as conseqüências perversas da identidade tribal. Ao mesmo tempo, reivindicam uma produção simbólica contra a mercantilização de uma economia que já é global.

Afirmam, assim, seu direito à diáspora, ao atravessamento multicultural, transnacional e multimídia. Evitam, desta forma, qualquer lógica de imobilidade por meio de uma escolha que tende a negar o valor do espaço, do hábitat e de uma relativa antropologia circunscrita em favor de um valor temporal condensado sob a forma de uma obra.

Estoicamente, esses artistas escolhem livremente a diáspora, esse trágico destino histórico experimentado por muitos povos, tanto no Oriente quanto no Ocidente.

Nesse sentido, a obra adquire um valor utópico em seu significado etimológico - a preferência por um não-lugar, por um outro lugar desmaterializado que não requer localização nem ocupação definitiva.

Artistas como Cucchi, Dimitrijevic, Fabro, Houshiary, Panamarenko, Jakober-Vu e Wenders desenvolvem, com linguagens diferentes, o conceito de decomposição, a positiva liberação de uma única opção formal, a afirmação do deslocamento e da superação de limites em obras complexas.

Pintura, escultura, desenho e arquitetura interligam-se na produção de instalações que podem apresentar-se em qualquer espaço, mas que não trazem o perigo de uma integração total.

O nomadismo cultural e o ecletismo estilístico que regem a forma colaboram para uma decomposição progressiva em termos de unidade espacial do momento produtivo e unidade temporal do momento contemplativo.

A obra funciona como um elemento misturador que cria uma interação entre as diversas linguagens e desmaterializa qualquer categoria estética tradicional.

Ela age sobre o público com a força do estranhamento de uma realidade em movimento, com a capacidade de afirmar a própria falta de adesão e de consenso.

O caráter de diáspora é o fruto natural de uma tradição que decorre das vanguardas históricas e que vai até a Transavanguardia, a consciência de uma autonomia da arte, que não pode operar baseada no princípio da identificação.

A arte contemporânea utiliza da melhor forma a possibilidade de superação das barreiras tradicionais para atingir a rapidez dos percursos que se fundamentam no princípio da contaminação.

Tal princípio opera contra o perigo da homologação, fruto da globalização telemática. Por um lado ele trabalha com a idéia da superação de limites e com a interação cultural; por outro, afirma o direito individual do artista de produzir formas improvisadas e surpreendentes, conseqüência de um imaginário livre, independente de qualquer hierarquia.

A arte opera sobre um nível de composição interno à medida que afirma o valor criativo do Eu contra o valor quantitativo do Nós. Ela se apresenta à contemplação do público localizado, com os traços da própria diáspora, os signos de uma travessia que a tornam positivamente estranha se comparada à familiaridade das imagens televisivas que invadem cotidianamente o espaço doméstico da sociedade de massas.

A diáspora implica a complexidade de referências múltiplas, a memória de numerosos enredos que subentendem o nomadismo cultural do artista. É a complexidade de uma forma projetada na luta contra a simplificação espetacular de imagens bombardeadas pela pequena tela televisiva.

A ambivalência da obra é o primeiro sinal de resistência desses artistas contra a realidade que os rodeia, a formalização de uma hostilidade por uma arte que não deseja realizar nenhum serviço informativo. Ao contrário, pretende romper essa tendência num universo que funciona sobre o mito da informação.

Esses artistas, porém, enfrentam o problema da comunicação, um reconhecimento necessário do aparato telemático que controla o mundo. Por isso absorvem no interior da obra de arte a espúria diversidade de linguagens diferenciadas, mas a formatam fora de qualquer lógica de consumo imediato.

Comunicar implica necessariamente a adoção de técnicas e materiais que não são independentes do contexto em que vivemos. Implica submeter o regime da diáspora a uma disciplina capaz de desenvolver um contato com o público.

Eis que a arte enfrenta o problema, depois de tantas diásporas, de uma interrupção, para evitar o perigo de uma globalização abstrata, a fruição internacional do sistema da arte, favorecendo assim uma comunicação equilibrada, além de qualquer amizade tribal.

Tal amizade significa sempre o fato de aceitar a idéia de localização e de consumo que intercepta algumas formas artísticas na busca do consenso.

O equilíbrio da forma dá garantias de que a arte não se transformará em puro objeto e abre a possibilidade de se conservar um caráter de passagem que assinala uma viagem acompanhada de pequenas interrupções.

A arte deste fim de século deve, necessariamente, reforçar o valor da diáspora, o destino de um inevitável movimento de excelência para testemunhar sua própria condição estrutural, desestruturante e estrábica.

Apenas desta forma os artistas, estes artistas, podem demonstrar a importância que dão ao tempo, congelando um tempo melhor em obras que evidenciam de modo agudo e exemplar sua confiança na história.

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